CONCLUSÃO – O ANJO DA GUARDA É NOSSO CELESTE ARQUÉTIPO
Primeiro, procura-se dar uma síntese de toda matéria apresentada ao longo dos três dias de curso. E depois, formula-se uma pergunta: haveria algo mais a dizer? poder-se-ia conhecer algo mais sobre o próprio anjo da guarda, sobre sua relação e sua afinidade comigo?
Alguns princípios da metafísica tomista permitem defender uma tese que não é afirmada por São Tomás, mas que resulta lógica, mesmo que a mero título de hipótese.
Com efeito, devemos partir do princípio que Deus não faz nada por acaso, tudo no universo tem unidade, lógica, sabedoria; ademais, a missão do anjo da guarda é por demais transcendental para ser ele escolhido a esmo; mais que guarda, é regente, mediador, dirige, orienta, inspira, ajuda a cumprir a vocação.
Logo, todo anjo da guarda tem uma relação, semelhança e afinidade profundíssima e personalíssima com seu protegido.
1) Gradualidade dos seres
Este princípio estabelece que, entre dois extremos, se multiplicam os graus intermediários. Portanto, na hierarquia de perfeições desde Deus à matéria ínfima, se inserem os anjos e os homens.
2) Afinidade entre os seres
As várias realidades não foram criadas por Deus a esmo, mas para espelhar a divina harmonia. Os seres são bons, o conjunto é melhor: o bem da ordem implica sintonia e simpatia.
Deus quer uma inter-relação/dependência entre seres afins, que se manifesta na solidariedade; a semelhança atrai os seres esparsos, a atração entre os semelhantes incrementa o amor mútuo.
3) Preexistência dos seres perfeitos
Toda existência de um ser imperfeito num gênero exige a preexistência de um ser perfeito no mesmo gênero.
Sendo os homens inferiores aos anjos, pelos princípios da “gradualidade” e da “preexistência” se deduz que as qualidades morais e espirituais existentes nos homens preexistem mais perfeitas nos anjos.
4) Relação de causalidade
As iluminações que vêm de Deus fluem de superiores para inferiores; assim, embora um anjo receba a iluminação de outro, só a transmite se a assimila; logo, ao transmitir, o anjo dá algo de si: transmite o que recebeu, mas de forma própria, à maneira de causa.
Logo, quem é iluminado por um anjo pode, enquanto efeito, chamá-lo de causa; portanto, há necessariamente entre o Anjo da Guarda e seu protegido uma relação causal, tanto de conhecimento (iluminação) quanto de atos (fortalecimento).
5) Participação do agente
Toda causa age comunicando a outro ser uma perfeição que possui, induzindo à semelhança; a causa é muito superior ao efeito, mas não diferente em essência: o efeito passa a participar da excelência da causa.
Na difusão hierárquica das perfeições de Deus, a perfeição que um ser recebe está mais perfeitamente naquele ser que lha deu, embora na mesma linha de semelhança; logo, o protegido participa de seu Anjo da Guarda, como o efeito de sua causa.
6) Conclusão
– a “gradualidade” nos permite conceber as perfeições de Deus como estendendo-se pela criação como um fio, espelhando-se numa multidão de seres nas várias escalas; parece conveniente que o Anjo da Guardo e seu protegido estejam na mesma linha;
– a “afinidade” pediria que os seres semelhantes estejam juntos, e vice-versa, para garantir a harmonia; pareceria que Deus, escolheria para determinado homem o Anjo mais afim com ele;
– a “preexistência” requer que as perfeições humanas existam antes nos anjos; e os princípios acima parecem indicar que estejam juntos e se amem: é a relação do Anjo com o seu protegido;
– a “causalidade” estabelece que o homem, em virtude de sua luz primordial, encontre no Anjo que lhe é superior a sua causa; isto é claro na relação com seu Anjo da Guarda;
– a “participação”, ao contrário, parece indicar que, se um homem pratica uma virtude, é possivelmente porque tenha sido fortalecida por um Anjo; assim, sendo o homem chamado especialmente a praticar uma virtude, conviria que seu guarda fosse, dos Anjos, o mais semelhante;
De tudo isto, não encontramos justamente a descrição da relação entre tipo e arquétipo?
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Meu Anjo da Guarda seria, pois, como um pai, e como que a luz primordial de mim mesmo, seria meu arquétipo; um arqui-eu mesmo de quem, se eu fosse santo e perfeito, eu não seria senão uma pálida imagem, mas imagem real; a este título, meu Anjo, olhando para mim e vendo em mim uma semelhança sua, ele sente afeto, vela sobre mim e sobre minha pequenez, me dirige e orienta em tudo o que diz respeito à minha vida espiritual, como um verdadeiro mediador entre Deus e eu, como servo de Nossa Senhora, Rainha do universo.
Minha relação com meu próprio Anjo da Guarda deve ser de perceber a fantástica superioridade dele, e procurar parecer-me com este que é maior do que eu, rejubilar-me, e entregar-me a ponto de fazer com que o sentido da minha própria vida passe a ser o serviço exclusivo daquela perfeição que existe – de forma absoluta – no próprio Arquétipo deste meu Anjo, que é Deus Nosso Senhor. Assim, entre meu Anjo e Deus, há ainda outros Anjos, mais belos e mais parecidos ainda com Deus do que ele, embora sempre naquela mesma linha. Há uma continuidade, e nesta continuidade estão inseridos todos os homens, como também todos os Anjos: desde mim até Deus, há uma fileira de Anjos que chega até Nossa Senhora, Rainha e Síntese dos Anjos, e que expira aos pés de Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus…